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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Meninos agressivos que não querem aprender: qual o problema?

Meninos agressivos que não querem aprender: qual o problema?

Autor: Paulo Germano Marmorato*



É freqüente notarmos no ambiente escolar aquelas crianças e adolescentes que causam problemas do ponto de vista social: estão quase sempre metidos em brigas, desafiam os funcionários, desrespeitam professores e colegas. Apresentam, em sua maioria, desempenho escolar sofrível e acabam se tornando os “maus alunos” por excelência. Migram de escola em escola na tentativa de salvar o ano e livrarem-se do estigma com o qual ficaram marcados. Quase sempre em vão.

Qual o motivo dessa associação tão forte entre agressividade e mau desempenho escolar? Boa parte desses jovens apresenta algumas das formas do chamado transtorno de conduta: um padrão duradouro de comportamento negativista, hostil e desafiador frente a figuras de autoridade, com persistente agressividade, furtos, vandalismo, fugas de casa e da escola, entre outros comportamentos designados como anti-sociais. Os transtornos de conduta são bastante heterogêneos, isto é, os jovens assim diagnosticados podem apresentar grandes diferenças comportamentais entre si. Apesar disso, existem alguns pontos em comum bastante importantes – um deles é justamente o freqüente histórico de fracasso escolar.

Surge, então, uma importante pergunta. O que vem primeiro: o insucesso escolar causando agressividade reativa ou crianças de temperamento mais agressivo e inquieto se indispondo às regras que o aprendizado acadêmico exige? A resposta não é simples, o problema também não. Cada um traz consigo uma história muito particular de herança genética e cultural, de possíveis abusos e privações. Devem ser afastados veredictos simplistas propensos ao extremo do determinismo biológico - do tipo “nascido para matar” - ou ao extremo do determinismo social - “vítima da sociedade”. Muitos fatores estão envolvidos na construção do “mau aluno”.

De qualquer forma, independentemente dos possíveis agentes causais envolvidos, verifica-se que uma parcela expressiva destes jovens estigmatizados apresenta quadros de “Transtornos Específicos de Aprendizagem” ou, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares”. De modo geral, estes diagnósticos se referem a dificuldades de aprendizado em áreas particulares como leitura (dislexia) e aritmética (discalculia), assim como em áreas de aprendizado não-verbal, que se manifestam por meio de dificuldades motoras (fala e movimentos desajeitados) e inabilidade no manejo de situações sociais. Um critério fundamental aqui é a exclusão de atrasos globais no desenvolvimento cognitivo, os retardos mentais. Assim, uma criança com transtorno específico de aprendizado apresenta um nível de inteligência que a torna potencialmente apta a aprender, mas não consegue. Nestes casos, provavelmente existem disfunções sutis, mas significativas, em regiões específicas do cérebro responsáveis pelas funções cognitivas em questão, como decodificação fonológica, identificação de palavras, memória de trabalho, cognição espacial, entre outras.

O que apontam os estudos

Há estudos que mostram associação entre os diversos déficits de aprendizado e conseqüências emocionais e comportamentais, atingindo-se um pico de incidência de baixa auto-estima e outros sintomas depressivos por volta dos 10 anos de idade e a partir de então predominamos sintomas dos transtornos de conduta. Willians & McGee, da Universidade de Otago, Nova Zelândia, publicaram em 1994 resultados do importante “Estudo de Dunedin”, no qual foram acompanhadas 950 crianças do nascimento até a idade adulta. Constatou-se que a presença de dislexia em meninos predizia a ocorrência de transtorno de conduta aos 15 anos. Já para as meninas a maior associação ocorreu com quadros ansiosos, sugerindo que os déficits de aquisição de leitura seguem uma tendência de evolução diferente entre os sexos.
A agressividade pode ser uma reação à frustração e ao sentimento de inferioridade que suas dificuldades lhes impõe

Por sua vez, Maughan e sua equipe do King’s College de Londres acompanharam 127 crianças com dificuldades de leitura dos 10 anos até a idade adulta. Encontraram a forte associação com déficit de atenção e hiperatividade, que tornava as crianças mais susceptíveis a problemas comportamentais; mais uma vez, os meninos apresentaram maior abandono escolar e envolvimento com criminalidade. No entanto, é importante ressaltar que não são todas as crianças com transtornos de aprendizado que vão desenvolver um quadro psiquiátrico, mas é fato que sua ocorrência lhes traz um risco maior de adoecimento.

De qualquer forma, com algumas informações podemos nos aproximar com mais lucidez de respostas para a questão formulada no título deste texto. Muitos destes meninos simplesmente não conseguem aprender. Sua agressividade pode ser uma reação à frustração e ao sentimento de inferioridade que suas dificuldades lhes impõe. Ou pode ser mais um sinal de disfunções – sociais e cognitivas – que tenham origens em comum. Ou ambos.

A importância do trabalho multidisciplinar

Para que tenhamos uma melhor idéia da dimensão do problema, vale citar que a prevalência dos transtornos específicos de aprendizagem tem sido estimada em cerca de 4% de dislexia, 6% de discalculia e 5% de déficits de aprendizado não-verbal, considerando crianças na idade escolar em países ocidentais desenvolvidos. No Brasil não existem estimativas consistentes, mas faz sentido supor que a prevalência seja ainda maior aqui, já que grande parte da nossa população não dispõe de condições sócio-econômicas adequadas para garantir às crianças um desenvolvimento infantil desejável.

Estes fatos devem nos alertar para a necessidade de identificar com maior freqüência e precisão os transtornos específicos de aprendizagem. Uma vez identificados, as crianças e adolescentes afetados podem vir a receber acompanhamento adequado, contribuindo-se para melhorar a evolução do aprendizado, assim como das relações sociais – aspectos que, aliás, estão intimamente relacionados. É fundamental agir nas múltiplas vertentes de educação e saúde de modo a romper o círculo vicioso que se desenha na vida destes jovens.

Para isso, entretanto, não basta a ação isolada de algumas pessoas bem intencionadas. Capacitar profissionais de diversas áreas para agir nesses casos em toda rede pública de ensino é uma condição fundamental para mudar esta situação. Trata-se, de fato, de uma questão de educação e saúde públicas, com repercussões sociais imensas. As soluções requerem a união organizada dos profissionais envolvidos em uma mobilização social para exigir investimentos maciços em saúde e educação.



*Paulo Germano Marmorato é psiquiatra da Infância e Adolescência do Ambulatório de Socialização do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e do SINAL – Socialização da Infância e Adolescência Laborada

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